terça-feira, 21 de outubro de 2008

Direto do blog da Nath

Civilização?

Domingo, 19 de Outubro de 2008




Médicos confirmam morte cerebral de Eloá

Hermano Freitas, Portal Terra

SÃO PAULO - O secretário de Saúde de Santo André, Homero Nepomuceno Duarte, confirmou na madrugada deste domingo a morte cerebral da jovem Eloá Pimentel, 15 anos, que foi baleada na cabeça e na virilha, depois de 101 horas de cárcere privado imposto pelo ex-namorado Lindenbergue Alves, 22 anos. A morte cerebral foi declarada às 23h30 do sábado.


Choca. Atordoa. É quase inacreditável que algo assim aconteça em pleno século XXI, num momento em que as pessoas se vangloriam por todo o progresso que o homem conquistou. Balela! Estamos tão próximos à barbárie que nem nos damos conta. Afinal, uma das características é exatamente a de não se importar e não se envolver; é como se tudo isso fosse natural. E não me refiro apenas a esse caso, nem apenas aos escolhidos para exploração pela mídia sensacionalista, mas a todos esses que às vezes estão no pé de página de um jornal qualquer e que não deixam de ser tão brutais e nonsense quanto o de Eloá.


Há muita liberdade disfarçada. Os valores espalhados pregam uma liberdade individual nunca antes conquistada, um prazer em valorizarmos nossas particularidades e desejos, mas a prática mostra que o pensamento dos brasileiros ainda beira o raciocínio de séculos atrás. Esse caso me cutucou, me incomodou por todos esses dias. A questão é que ainda estamos presos a um pensamento feudal de honra, uma necessidade fremente de manter a cabeça erguida no tempo pós-amor. O tal do Lindembergue não poderia aceitar a idéia do fim. Não, nem pensar. Uma vez dele, sempre dele ou que não fosse mais. E ela não é. Apenas 15 anos e deixou de ser.


Aqui vai uma crônica de Lima Barreto escrita em 1915 (pasmem!), que diz tudo o que ficou entalado na minha garganta por esses dias.


Lima Barreto

Não as matem

Esse rapaz que, em Deodoro, quis matar a ex-noiva e suicidou-se em seguida, é um sintoma da revivescência de um sentimento que parecia ter morrido no coração dos homens: o domínio, quand même, sobre a mulher.

O caso não é único. Não há muito tempo, em dias de carnaval, um rapaz atirou sobre a ex-noiva, lá pelas bandas do Estácio, matando-se em seguida. A moça com a bala na espinha, veio morrer, dias após, entre sofrimentos atrozes.

Um outro, também, pelo carnaval, ali pelas bandas do ex-futuro Hotel Monumental, que substituiu com montões de pedras o vetusto Convento da Ajuda, alvejou a sua ex-noiva e matou-a.

Todos esses senhores parece que não sabem o que é a vontade dos outros.

Eles se julgam com o direito de impor o seu amor ou o seu desejo a quem não os quer. Não sei se se julgam muito diferentes dos ladrões à mão armada; mas o certo é que estes não nos arrebatam senão o dinheiro, enquanto esses tais noivos assassinos querem tudo que é de mais sagrado em outro ente, de pistola na mão.

O ladrão ainda nos deixa com vida, se lhe passamos o dinheiro; os tais passionais, porém, nem estabelecem a alternativa: a bolsa ou a vida. Eles, não; matam logo.

Nós já tínhamos os maridos que matavam as esposas adúlteras; agora temos os noivos que matam as ex-noivas.

De resto, semelhantes cidadãos são idiotas. É de supor que, quem quer casar, deseje que a sua futura mulher venha para o tálamo conjugal com a máxima liberdade, com a melhor boa-vontade, sem coação de espécie alguma, com ardor até, com ânsia e grandes desejos; como e então que se castigam as moças que confessam não sentir mais pelos namorados amor ou coisa equivalente?

Todas as considerações que se possam fazer, tendentes a convencer os homens de que eles não têm sobre as mulheres domínio outro que não aquele que venha da afeição, não devem ser desprezadas.

Esse obsoleto domínio à valentona, do homem sobre a mulher, é coisa tão horrorosa, que enche de indignação.

O esquecimento de que elas são, como todos nós, sujeitas, a influências várias que fazem flutuar as suas inclinações, as suas amizades, os seus gostos, os seus amores, é coisa tão estúpida, que, só entre selvagens deve ter existido.

Todos os experimentadores e observadores dos fatos morais têm mostrado a inanidade de generalizar a eternidade do amor.

Pode existir, existe, mas, excepcionalmente; e exigi-la nas leis ou a cano de revólver, é um absurdo tão grande como querer impedir que o sol varie a hora do seu nascimento.

Deixem as mulheres amar à vontade.

Não as matem, pelo amor de Deus!

Vida urbana, 27-l-1915

3 comentários:

Aline Barbosa disse...

Uma das coisas mais chocantes nesse post é ver a semelhança dos acontecimentos em tempos tão distantes...
Mostra que a humanida continua caminhando pro abismo...

Enfim...
Bjo!
\o7

De Beachbarengril disse...

abismo.

Nathália von Arcosy disse...

que honra! ainda que inesperada... Não sabia desse projeto, mas estou interessada em conhecer melhor...


Beijos